Acontecera no ano de dois mil e seis. Estávamos eu e mais dois colegas do lado de fora de uma Unidade Prisional, mais comumente chamada: Prisão! Tinhamos viajado em um ônibus interestadual, por aproximadamente cinco horas, em direção ao interior do Rio de Janeiro, onde fica localizada esta Cadeia, com direito a uma parada, para relaxar os pés...
Três novos Agentes Penitenciários, que acabaram de se formar em uma Escola específica do Governo Estadual, que além de formar turmas de Agentes, também ministram diversos cursos para a área de Segurança Pública, inclusive para outros Estados. Era o primeiro dia de trabalho! O que nos esperava?
Como deve ser lá dentro? Será que dará tudo certo? Queira Deus que sim... Eram os nossos quetionamentos, faziamos isso o tempo todo! O coração esta a mil! O desconhecido tão temido esta prestes a se descortinar perante nossos olhos..o momento chegou...!
Derrepente, ás portas se abrem, um gigantesco barulho se apodera do lugar, ás portas por serem muito pesadas, faziam sempre este estrondo, e seu som sempre chegava primeiro. Um senhor e um outro homem de meia idade, aparecem na cena, e o primeiro nos diz: Sejam muito bem vindos: "novinhos". A forma como ele se referiu a nós, com um certo sorriso no rosto e a voz em meio tom e firme, soou, num primeiro momento, como um misto de temor, pânico e certeza de que, os dias por ali, seriam bem trabalhosos!
Após adentrarmos na Unidade, um olhava para o outro, parecia que queríamos falar algo, mas nenhuma voz se ouvia; além dos nossos pensamentos; silêncio absoluto! Os dois homens que acabaram de nos receber eram o Diretor e o Subdiretor e, prontamente o primeiro começou a nos dizer: -Quero que vocês prestem bastante atenção no que vou falar...após um tempo, mais ou menos de trinta minutos, finalizou a conversa dizendo: Onde vocês moram, o nome de vocês e também o número de camisa, calça e boot..? Vão falando logo, porque cadeia é lugar de trabalho, muito trabalho!
-Me chamo Mauricio, moro em São Cristovão, calça número quarenta e seis, camisa G e boot número quarenta e três.(Respondi).Coincidentemente, o segundo, de nome Felipe, tinha as mesmas medidas que as minhas, somente o lugar em que morava era diferente, e disse: Moro na Tijuca, Sr° Diretor! Faltaria ainda Miquéias, e foi logo falando:-Bom, minha calça é número cinquenta e oito, minha camisa é número EXGG, e meu boot é....bom, acho que é.....quarenta e .....e......nove.....isso mesmo!!! meu boot é número quarenta e nove, Sr° Diretor! Aquilo soou como uma bomba aos ouvidos do Diretor, e aquele jeito meio que irônico, logo deu lugar a um jeito bem nervoso, e o mesmo deu um murro na mesa e disse:- Não quero saber, aqui não tem nº para gigantes, seu caso é muito dificil, vou fazer o seguinte com vc Miquéias, no mês que vem quero ver você devidamente uniformizado, ouviu? Entendeu Miquéias?
-Sim, seu Diretor...(Respondeu Miquéias)
Miquéias era um cara muito engraçado, todo desajeitado, grandão e com jeito meio inocente!
Primeira lição que logo aprendemos, ás vezes temos que improvisar, foi o caso de Miquéias, o mesmo trabalhou de tênis( feito sob medida), e arrumou uma tinta, destinada a pintar o muro da Unidade e pintou seu tênis, transformando-o em boot.
Ramalho, nome do Subdiretor, nos conduz para o interior da Unidade, chamado de miolo, já com a escala de serviço em mãos, escalando cada um de nós para setores diferentes, ou seja, não ficaríamos perto um do outro...um teste e tanto, para o primeiro dia de trabalho.
Fui designado para o setor de presos segurados, e entre eles, logo um chamou muita a minha atenção. Meio que receoso, me aproximei e comecei a observá-lo, o mesmo ficava em sua cela, andando de um lado para o outro, com a cabeça baixa, passava pelos outros apenados e não dizia nada com ninguém. Esse movimento ele fazia freneticamente, parecia um programa de automação! Perguntei a mim mesmo, o que seria aquilo? Me aproximei do mesmo e disse; - Interno, qual o seu nome? Ele prontamente me disse: Miguelzinho, Sr°! Mas vocês acham que a aproximação foi tão fácil assim? Claro que não, mas não queria demonstrar isso para os presos! Doce ilusão, eles identificam muito rapidamente quando um Guarda é novinho na cadeia! Voltando para Miguelzinho, lhe perguntei: Estava vendo que você fica fazendo movimentos e atitudes nem um pouco convecionais, o que é isso?
-Ele, antes de responder me disse, Srº, antes posso fazer uma pergunta para o Senhor? Prontamente balancei a cabeça positivamente...e ele continuou...
-0 Senhor é evangélico?
Disse a ele que freguentei por mais ou menos cinco anos uma igreja sim , mas que no momento não , estava prestes a voltar!
- Mas por que esta pergunta? Indaguei.
- A forma como o Senhor se dirigiu a mim, parecia ser evangélico...e vou dizer mais ao Senhor, com todo respeito, esse lugar aqui não é para mim não, não merecia estar aqui!
(Em uma Unidade prisional, tudo é motivo de desconfiança, raramente conquistamos o respeito de um preso, e vice-versa! Isso, com o passar do tempo, entendi que somente através de uma honestidade a toda prova, em todos os sentidos, se conquistava, mas ainda assim, o local não é para isso!)
E Miguelzinho, que mais tarde descobri, chama-se Carlos, continuou...
-Eu não sou dessa vida não, estou pagando por uma coisa que não tenho culpa! Foi uma grande armação para me prejudicar!
Interrompi o mesmo e disse: Miguelzinho, você pode continuar se quiser, pode falar...
-Muito obrigado Sr° Mauricio( a essa altura ele já sabia meu nome!)e deu prosseguimento a seu desabafo...
-Aconteceu assim ...Estava no trabalho, trabalho desde novinho, e derrepente me chega um companheiro de profissão dizendo: Carlos, sua mulher esta te traindo, corre lá agora que você vai pegar os dois na cama!
Fiquei desesperado, sai correndo naquele mesmo instante, não falei nada com ninguém, e quando cheguei lá, minha mulher estava no tanque, lavando a roupa de toda a família, a minha, a dela e a das nossas quatro filhas! Achei estranho, Seu Mauricio, o fato desse rapaz também ir atrás de mim, e ele ficou atrás da porta, quando dei por conta, ele pulou em cima de mim com uma faca na mão! Tentei sair correndo mas não consegui, houve luta corporal, e nisso consegui tomar a faca das mãos dele e o atingi na perna, com a intenção de não tirar a vida dele. Mas infelizmente, a faca atravessou e atingiu sua veia femural, houve uma grande quantidade de sangue se esvaindo e ele faleceu ali mesmo! Quando minha mulher viu isso, saiu de casa aos berros grintado: Socorro!!! Socorro!!! ELE ACABOU DE MATAR UM HOMEM E QUER ME MATAR TAMBÉM!!!Foi tudo armado, Senhor, a intenção deles era tirar minha vida, eles já tinham combinado!!!!Que decepção, minha própria mulher, fazer isso comigo, o Senhor entende agora quando disse que isso aqui não é para mim? Não sou bandido!!!
- Vou finalizar, Senhor,(continuou Miguelzinho)...Desde que botei os pés aqui neste lugar, a minha visão foi se acabando, não sei o que esta acontecendo, os médicos me disseram que deve ser estresse, mas acho que ficarei aqui para sempre!!!!Não recebo mais visita de ninguém, minhas filhas não me visitam mais, minha mãe já é uma pessoa de idade avançada, antes me mandava algumas cartas, mas nem isso mais, acho que ela já faleceu, sei lá... mas....Acho que ficarei aqui para sempre!!!!
Palavras proféticas de Miguelzinho. Dias depois foi encontrado com várias cordas(panos)amarados ao seu pescoço. SUICÍDIO!!!! Disseram alguns. MATARAM ELE!!!!! Disseram outros!
A perícia constatou suicidio.... procurei saber o que houve e um dos presos me disse: Na cadeia é assim, fala de mais morre! Aqui não é lugar para caguetes!!!!
Num lugar como estes que acabamos de narrar, falar uma coisa pode significar outra.....esse é o "sub"mundo deles, é assim que vivem!
Esse foi meu primeiro dia de trabalho. Essa foi minha primeira história, de uma série de tantas outras...mas isso vocês podem imaginar, ne?
Agora...e os outros dois colegas, como deve ter sido o dia deles? Talvez numa próxima saberemos....até....
Comentem!OK?
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